Por volta do ano de 2002, durante a minha faculdade de psicologia, houve uma grande mobilização da categoria contra o chamado Ato Médico (nome dado ao Projeto de Lei do Senado [PLS] 268/2002 e ao Projeto de Lei [PL] 7703/2006), que visava regulamentar melhor o trabalho do médico na legislação brasileira e, dentre todo o seu conteúdo, o inciso 1º do artigo 4º previa que a formulação do diagnóstico e a respectiva prescrição terapêutica seriam atividades privativas dos médicos, ou seja, determinava que apenas a classe médica poderia diagnosticar doenças e decidir sobre seu tratamento.
Como as implicações desse trecho do projeto de lei poderiam impactar direta e negativamente na atuação dos psicólogos, uma grande batalha foi travada. Ora, batalhas desta natureza só são travadas quando a linha de diálogo e entendimento mútuo é cortada e leva-se em consideração apenas os interesses de um dos lados.
Essa reivindicação dos médicos sobre serem os únicos a terem direito de formular o diagnóstico e a respectiva prescrição terapêutica, não era só uma questão de regulamentar a própria atuação, havia também a preocupação de que os pacientes tivessem diagnósticos e tratamentos confiáveis dentro de uma prática profissional habilitada. Em outras palavras, havia a preocupação em garantir que os pacientes tivessem tratamento seguro.
Após mais de 10 anos de batalha, essa causa foi vencida e esses pontos foram vetados, mantendo assim, o direito do psicólogo formular seu próprio diagnóstico e sua respectiva terapia, conforme a sua formação o habilitara.
Conflitos Eternos
Até hoje, ainda, vejo conflito entre psiquiatria e psicologia, sobre como cada um deles traça uma linha de diagnóstico, até onde cada um pode intervir, quais são suas especialidades, propostas de tratamento e por aí vai. Na verdade, vejo ainda mais conflito entre as diferentes abordagens dentro da própria psicologia sobre quem é “melhor” ou “pior” em todos os aspectos de diagnóstico e tratamento.
A realidade é que conflitar faz parte da natureza humana e sua motivação é individual. No final das contas, as pessoas que estiverem abertas a entender, entenderão e não conflitarão e, ao contrário, às que não estiverem abertas a entender, não entenderão e conflitarão. Em suma, é um fenômeno pertinente ao indivíduo, simples assim.
Se você leitor, estiver aberto e quer compreender a diferença entre psicologia e coaching, convido-o a continuar a ler este texto.
Tudo o que escrevo aqui não tem como objetivo “sustentar um doutorado” sobre cada termo ou profissão citada; eu só os utilizo da forma que utilizo para facilitar o entendimento de modo geral. Sei que existem outras formas de definir os termos e profissões aqui citadas, mas peço que não se apeguem a esses detalhes semânticos, se atentem apenas a ideia central.
E se você é coach ou psicólogo, deve saber que a comunicação é um processo ativo nas duas pontas, tanto o emissor da informação deve se esforçar para passar a sua ideia da forma mais compreensível, quanto o receptor também deve se esforçar para compreendê-la. Pratique a escuta ativa neste texto, ok? Vamos lá…
O que a luta da psicologia com a medicina citada no início do texto tem a ver com o que vemos hoje entre psicologia e coaching?
Bom, para explicar melhor a diferença entre psicologia, coaching e suas esferas de atuação, eu tomei a liberdade de inserir este novo elemento – a psiquiatria. É um referencial novo, externo a ambos os conceitos que nos ajudará a compreender melhor as diferenças de atuação entre um e outro.
A psiquiatria, a psicologia e o coaching possuem definições semelhantes no que tange o apoio ao desenvolvimento humano, seja por meio de processos de tratamento de doenças mentais, autoconhecimento ou desenvolvimento pessoal.
Embora as definições possam levantar algumas dúvidas, na prática, geralmente, o público compreende a diferença, pois as pessoas que possuem doenças mentais, transtornos de personalidade acentuados ou estão passando por situações difíceis e intensas, nas quais seus recursos internos não serão suficientes para lidar de maneira funcional, procuram um psiquiatra. O foco do trabalho é orientado pela medicina e direcionado aos problemas mentais acentuados de seus pacientes, por isso, no geral, utilizam medicamentos como principal recurso de intervenção.
*Segundo o dicionário brasileiro, a psiquiatria é uma especialização da medicina que se ocupa do diagnóstico, da terapia medicamentosa e da psicoterapia de pacientes que apresentam problemas mentais.
Por outro lado, aquelas pessoas que passam por momentos de dificuldade, onde buscam compreender melhor seus próprios recursos internos para conseguirem lidar com eles de maneira mais funcional, procuram o psicólogo. Esse profissional, além de apoiar este paciente/cliente a compreender e lidar melhor com as situações, ainda possui grande capacidade de gerar autoconhecimento. Nota-se aqui que já há uma clara alteração de olhar entre psiquiatria e psicologia, mesmo que ambas trabalhem sobre aspectos de doenças mentais e transtornos de personalidade.
*Segundo o dicionário brasileiro, a psicologia é a ciência que trata dos estados e processos mentais, do comportamento humano e de suas interações com um ambiente físico e social. Estuda a sua capacidade nata ou aprendida para lidar com os fenômenos da vida, levando em conta suas características psicológicas e emocionais.
Já, aquelas pessoas que estão passando por alguma dificuldade, mas enxergam as oportunidades por trás dos problemas, procuram o coach. É esse profissional que se especializou em apoiar o cliente a compreender melhor uma oportunidade em si, extrair objetivos concretos e estruturar um caminho seguro para alcançá-los. Em resumo, o coach é orientado a desenvolver as competências do seu cliente. Vale notar que toda a questão profunda do “eu” está presente em todos os três trabalhos, entretanto no processo de coaching ele é apenas pano de fundo e não o foco do trabalho.
*Coaching é um método de desenvolvimento pessoal e profissional que acontece por meio de uma conversa estruturada, entre coach e coachee, orientada para resultados. Este processo, baseado em técnicas de perguntas poderosas, leva o cliente a refletir sobre aspectos chaves da sua evolução, adquirir novas competências e encontrar os recursos internos necessários para conquistar uma determinada meta.
Todos os três modelos de trabalho geram autoconhecimento e desenvolvem novos recursos internos nas pessoas, mas a grande diferença prática entre eles está no nível de funcionalidade mental e emocional do indivíduo que os procura.
O grau de disfuncionalidade do paciente psiquiátrico geralmente é o mais alto dos três e o tratamento utilizando medicamentos é quase sempre necessário. Já o grau de disfuncionalidade do paciente/cliente de psicologia pode variar bastante. Entretanto, se esse grau for alto demais, o profissional é orientado a atuar em conjunto com um psiquiatra, caso o contrário, ele pode atuar sozinho. Já o grau de disfuncionalidade do cliente de coaching geralmente é bastante baixo, sendo apenas os aspectos que dificultam a sua orientação para resultados dos objetivos do trabalho. Vale lembrar que esse profissional também é orientado a encaminhar seu cliente ao psicólogo quando o seu nível de disfuncionalidade estiver mais alto.
*Só uma observação curiosa: Os psiquiatras chamam essas pessoas de pacientes, alguns psicólogos as chamam de pacientes e outros de clientes e os coaches os chamam de clientes. Usar a palavra “paciente” sugere tratamento de doença, enquanto usar a palavra “cliente” sugere prestação de serviço.
Outra forma de ilustrar a diferença entre psicologia e coaching é que as pessoas geralmente buscam os psicólogos quando sentem que estão com problemas em sua saúde mental e emocional. Em raras exceções, algumas buscam apoio psicológico para manter a saúde mental e emocional e, praticamente, não existem pessoas que se enxergam como plenamente felizes e satisfeitas e os procuram para aproveitar, ainda mais, as oportunidades da vida, como por exemplo, melhorar a carreira, estruturar sua vida financeira, desenvolver competências e por aí vai.
Já nos escritórios/consultórios dos coaches, o inverso é igualmente verdadeiro. Aqueles que estão buscando saúde mental e emocional raramente os procuram. Quando isso acontece, o coach é orientado a encaminhá-lo a um psicólogo competente. Quem procura os seus serviços são, em geral, pessoas que querem alcançar um resultado específico frente a uma oportunidade que foi vislumbrada e que, para isso, precisará desenvolver novas competências e habilidades, como por exemplo, estruturar programas de metas profissionais, pessoais e como alcançá-las.
Ainda não está clara a diferença? Então se dê o direito de experimentar o trabalho de cada profissional na prática, sem prejulgamento!
Caça às bruxas
Mas isso não implica que não devemos olhar atentamente às profissões para distinguir os bons dos maus profissionais. Afinal, independente da profissão, queremos ter a segurança de que os serviços serão prestados por profissionais competentes e, assim, gozarmos de todos os seus benefícios.
Nesse aspecto eu sou da seguinte opinião: cada profissão deve cuidar da sua própria classe, pois ninguém melhor do que eles para julgarem o que é um trabalho coerente e um incoerente. Quando uma classe interfere na outra, muito conflito é sustentado por inverdades, por políticas e por mercado, o que a meu ver é injusto.
Por exemplo: Nenhum psicólogo atendeu pacientes/clientes que pioraram após terem ido a um psiquiatra ou a um outro psicólogo, ou isso só aconteceu quando foram a um coach? Porque também existem muitas pessoas que alegam o inverso, ou seja, que só evoluíram com processos de coaching, mesmo após muitos anos de psicoterapia. Será que para todos os psicólogos ainda não está claro o que o coach faz? Ora, até hoje, mesmo após décadas de existência, ainda há quem diga que psicólogo é para louco. Ou estou errado?
Precisamos nos conscientizar de que a questão central aqui não é a categoria e sim, o profissional. Existem os profissionais que sabem se posicionar e os que não sabem, os que dão resultado e os que não dão. Portanto, não devemos julgar as profissões como falaciosas por conta de sujeitos despreparados ou mal-intencionados. Sem contar que cabe também ao indivíduo compreendê-las antes de criticar.
Sem dúvida, a profissão de coach está em processo de amadurecimento, por isso este é o momento que devemos nos unir e nos posicionar de forma clara no mercado, respeitando os profissionais das outras categorias.
Como psicólogos, devemos nos manter abertos ao diálogo e ao entendimento para não cometermos os mesmos erros daqueles que nós criticamos, a exemplo do Ato Médico citado no início do texto. E como coaches, devemos nos unir para promover ao público uma compreensão coerente e segura quanto a nossa profissão. Assim, evitamos desentendimentos e desafetos desnecessários, uma vez que todos estamos do mesmo lado: apoiar a melhor versão do ser humano.
Compreensão e Aceitação
Mesmo com essas definições básicas que apresentei aqui, muitos profissionais de ambas as áreas ainda não se sentirão devidamente representados e defenderão maneiras alternativas para descrevê-las, por isso que, provavelmente, nunca haverá consenso. Mas enquanto alguns decidem conflitar nas redes sociais, outros decidem mostrar o seu trabalho e o seu valor, colocando em prática a verdadeira missão que sua especialização proporciona.
É preciso ter honestidade intelectual e humildade para compreender e aceitar que essas profissões podem coexistir de modo complementar, uma vez que atuam em diferentes esferas. Que, ao invés de conflitar, devem se unir em prol do que realmente importa, que é apoiar o outro ser humano.
Você compreendeu o que eu disse neste texto? Está mais tranquilo e seguro quanto a diferença entre psicologia e coaching? Está claro agora que cada profissional atua em uma esfera diferente?
Se você está aberto a entender, mas ainda tem dúvidas e precisa de ajuda, entre em contato comigo. Eu terei o maior prazer em ajudá-lo.
Se está incomodado com este assunto de maneira intensa demais, a ponto de não conseguir lidar ou suportar, sente que apenas os seus recursos internos não serão suficientes para dar conta disso tudo, procure um psiquiatra.
Se ainda não compreende e está incomodado com este assunto, a ponto de se aborrecer demais e que, embora perceba que seus recursos internos são suficientes, sente que há algum bloqueio que o impede de conviver em paz, procure um psicólogo.
Se você compreendeu o que eu disse e está enxergando todas as oportunidades que esta realidade lhe proporciona, como por exemplo, buscar parceiros destas outras profissões para complementar o seu negócio, confiar mutuamente para trocar indicações de pacientes e/ou clientes, procure um coach.
Todos podemos coexistir para o bem-estar do próximo!
Jomar Filho é Psicólogo e Master Coach, CEO da IN – Desenvolvimento Inteligente; criador do Método Eneagrama Cognitivo e Ferramentas Cognitivas; e Diretor da ABRAPCOACHING.
Quero saber mais sobre a IN – Desenvolvimento Inteligente:https://www.desenvolvimentointeligente.com.br/
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